O delicioso perfume de Emma Bovary
Luís Felipe Pondé
DE FATO, uma tragédia no Japão! Mas o povo japonês é um grande povo, estoico, maravilhoso, e vai dar uma lição ao mundo, mais uma vez, de como enfrentar a dureza da vida sem frescuras. Confio nos samurais contra esta bela besta-fera que é a natureza.
Claro que o bloco dos 2012 maníacos pelo fim do mundo vai dizer que a "mãe Terra" (que está mais pra Medeia do que pra Gaia) está nos mandando um recado, mas isso é bobagem, a natureza é cega. Não faço parte dos fanáticos "believers da religião verde". Sou um herege. Os "nature lovers" sabem que câncer é natural?
Sou mais dado a assuntos "menores", do tipo que enche o consultório dos analistas e nossas camas sujas.
"O que você acha da culpa e da traição?", me perguntou, outro dia, uma jornalista, um tanto ansiosa. Senti o delicioso perfume de Emma Bovary no ar.
Sei que pode haver culpa, mas o que me espanta mais é a ideia contemporânea de que haja uma "redenção pelo sexo".
Antes de tudo, não entendo a culpa como uma "ideia da consciência moral". Acho que quando a filosofia pensa a culpa como uma "ideia da consciência moral", ela faz má filosofia.
A culpa é mais um sentimento difuso que vai do fígado ao coração, assombrando o cérebro, escurecendo a visão, um zumbido nos ouvidos, que faz do mundo opaco. Uma ameaça que inunda o sangue.
Como uma náusea que não se sabe de qual órgão do corpo vem, nem para qual faculdade da alma se dirige. Um afeto incômodo, mas que faz você sentir que ainda tem corpo e alma, como numa intoxicação que paralisa o cotidiano.
Por isso usamos expressões como "ressaca moral". A culpa inunda o sangue, contaminando-o como faz o vinho, deixando um gosto de borracha na boca e a língua azeda.
Um erro comum é a fantasia de que uma vida sexual "louca" cura a alma de sua insatisfação cotidiana. Não, uma vida sexual "louca" é marca de uma alma louca de desejo. Nada mais. Como qualquer tara, é repetitiva, monótona, banal. Um vício, como o jogo, a cocaína, o álcool. Uma loucura humana demasiado humana, mas não sinal de uma nova atitude libertadora.
Só pessoas que vivem sonhando, pensando na maravilha que seria ser uma Emma Bovary, sem nunca ter pecado, sem nunca sentir o gosto de uma cama suja na boca, imagina que haja redenção no desejo sexual "emancipado".
Não digo isso pra negar o valor de se realizar desejos. Longe de mim a crença na armadilha do velho puritanismo. Deixo o puritanismo para as militantes da "pureza da natureza feminina" e para esses maníacos pela alimentação "sem sangue".
Digo isso para refutar a ideia infantil de que haja redenção no sexo ou em qualquer outra forma do desejo humano.
O ciclo do desejo é um círculo infinito cuja esfera está em toda parte e o centro em parte alguma. Este movimento descreve o sem-fim do inferno humano.
O desejo é sempre triste. Apenas quem não o conhece o julga redentor. A revolução sexual é puro marketing de comportamento. Venda de "estilos e produtos de prazer". Sua verborragia é indício de sua nulidade. Nossos avós faziam sexo melhor do que nós e nossos filhos que se gabam de beijar dezenas numa noite. O pecado é que dá tesão e não a liberdade sexual.
Uma das marcas do ridículo de nossa época é levar os jovens a sério demais. Atitude típica de covarde que foge da responsabilidade de dizer aos mais jovens que não há solução para vida e que tudo o que eles pensam já foi pensado antes deles e melhor.
A vida nasce, é bela, floresce, adoece e morre, sendo esquecida em meio aos vermes. E fazemos o que podemos em meio a isso.
Espanta-me como tanta gente grita dizendo que não vai ter água e comida pra todo mundo. Acho que o que vai acabar antes é a libido diante de tamanha masturbação sobre como ela salva a vida da sensação de nulidade cotidiana. Não vai sobrar libido para todo mundo, já que todo mundo deve ser um campeão do sexo.
Não existe sexo de graça (livre). A forma mais barata ainda é pagar com dinheiro ou um jantar. Daí o sucesso eterno da prostituição, porque sua nudez é ainda a mais em conta. Ou se paga com dinheiro ou com a alma.
(Folha de S.Paulo, 21/03/2011)
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