Esta ação significa para nós, mulheres, que a luta pela igualação e dignificação está longe de terminar.
Eu tenho absoluta convicção, ou convencimento, pelo menos, de que um homem branco médio jamais poderá escrever ou pensar a igualdade, a desigualdade como uma de nós. Porque o preconceito passa é pelo olhar.
Uma de nós, ainda que titularizando um cargo que nos dê as vezes a necessidade de usar um carro oficial, vê, no carro de quem está ao lado, um olhar diferenciado do que se ali estivesse sentado um homem. Por que na cabeça daquele que passa, nós estamos usurpando a posição de um homem. E isso é a média, não de uma pessoa que não tenha tido oportunidade de compreender o mundo que nós vivemos.
Isso não significa que o preconceito não acabe, porque já mudou muito.
Eu conto aqui que o Ministro Fux acaba de dizer que há uma diferença entre mulheres violentadas e não violentadas. Acho que não Ministro. Enquanto houver uma mulher sofrendo violência, nesse momento, em qualquer lugar desse planeta, eu me sinto violentada. Enquanto houver, nós temos de ter o tratamento para fazer leis como essa que são políticas afirmativas que fazem com que a gente supere, não para garantir a igualdade de uma de nós, juízas, advogadas, senadoras, deputadas, servidoras públicas, mas a igualação, a dinâmica da igualdade para que a gente um dia possa não precisar provar que nós precisamos estar aqui.
E digo isso porque alguém acha que as vezes uma juíza deste tribunal não sofre preconceito. Mentira, sofre! Não sofre igual a outras que sofrem mais do que eu, mas sofre.
Há os que acham que isso aqui não é lugar de mulher como uma vez me disse uma determinada pessoa sem saber que eu era uma dessas: “Mas também lá agora tem até mulher... Imagina!”
O primeiro concurso que eu fiz, em 1982, na banca examinadora o professor de Direito Constitucional disse o seguinte: “Dizem que a senhora é muito boa de serviço. Se for muito melhor a senhora passa, se for igual, nós preferimos homem.”
Escutei da minha mãe desde menina que não me lamentasse de nada porque eu tinha que realmente dar cobro a uma demanda que eu já entro com a diferença. Portanto não adianta reclamar de excesso de serviço, porque se o homem reclamar, tá certo, se for mulher...
Isto só nós que sofremos o preconceito, porque o preconceito é um sofrimento, só nós podemos saber isso, porque passa pelo olhar, porque hoje não é “politicamente correto” discriminar a mulher. Não é que não discriminam, não manifestam a discriminação.
Por isso é que a violência física dentro de um quarto, dentro de uma sala, dentro de casa, aniquilou gerações e gerações de mulheres. E por isto é que esta ação, quando alguém ainda questiona, porque mesmo sobrevindo a lei chamada Maria da penha, (que é a lei não dos penha, não do casal, mas da dona Maria, da mulher), quando vem a lei nessas condições, significa pra nós um alerta: a luta continua, como toda luta pelos direitos humanos continua.
Lembro também, senhor presidente, do primeiro júri que eu assisti como estudante, em 1975, o advogado de defesa de um que tinha matado a mulher terminou citando um grande compositor brasileiro de uma época que era comum se aceitar como a defesa da honra matar a mulher: “Ele não fez nada de mais, ‘toda paixão é funesta, paixão sem sangue não presta’”. Portanto, tinha sido um gesto de amor, matar a mulher.
Isto continuou pela década de 70, pela década de 80 e a semana passada, infelizmente, no meu estado, de novo acontece, exatamente a demonstrar que esta é uma forma de viver lutando para que a gente adquira direitos, a luta pelos direito é isso mesmo.
Eu cresci ouvindo frases, que eram frases de efeito, frases de brincadeira, frases muitas vezes ditam em um tom jocoso, que é uma das formas de desmoralizar os direitos. Até grandes pensadores, grandes escritores: “toda mulher gosta de apanhar... toda não, só as normais”. “Ele pode não saber por que está batendo, mas ela sabe porque está apanhando”. Por que se criou a delegacia da mulher? Porque se dizia, como eu já escutei, delegado dizendo: “Bateu? Mas a mulher era dele? Então, nada a ser feito”. Por isso a dificuldade até de uma mulher como nos casos dos crimes sexuais de ter acesso a isso.
Escutei: “fulano bate, mas ele tem mulher bife, quanto mais bate melhor fica...”. Cansei de escutar isso e continuo escutando, e essas são situações que nos desmoralizam, são situações que nos violentam no dia-a-dia. E isso passa para outra geração que essa violência haverá de continuar. Por isso a Lei Maria da Penha trata não apenas da mulher, mas também dos filhos que vêem essa violência e reproduzem esses modelos. Essa violência vai para a praça pública, depois vai par ao país e depois geram as guerras. É assim que funciona a sociedade em que a paz realmente não é buscada porque nem é conveniente.
Também escutei hoje aqui da tribuna, tantas vezes usada de uma maneira tão própria, que isto acontece nas relações afetivas e ficava dentro de casa. Lamento discordar, quando há violência não há nada de relação de afetividade, é relação de poder, é briga por poder, é saber quem manda e mulher não manda e não pode mandar.
Nós queremos viver bem com os homens, até porque a gente gosta de homem, nós não queremos viver sem eles, nós queremos viver bem, nós queremos conviver. Nós não queremos contracenar, nem ser violentadas.
E esse modelo todo, a meu ver, faz com que ainda hoje, no dia 9.2.2012, a mulher foi e continua sendo, sempre e grandemente, sinônimo de sofrimento, de dor, de uma luta desigualada. Enfim, a dor de viver faz parte, a dor de sofrer pelo fato de alguém achar que é melhor e pode mandar até o limite da violência física, para não dizer da psíquica, não, aniquila a família inteira, aniquila o filho, aniquila todo mundo. É realmente, a meu ver, gravíssimo. E foi exatamente isso que gerou toda a luta internacional pelos direitos com essa diferenciação para que se tenha a igualação e a conquista exatamente dessa lei com a criação dos juizados, com a indicação de que haja preferência nesses julgamentos, porque a demora faz com que a sensação, no seio familiar, no seio da comunidade seja de que isso permanecerá impune.
Nós queremos ter companheiros, não queremos ter carrascos, não queremos viver com medo porque o medo é muito ruim e o medo aniquila a tal ponto que gera a vergonha, mulheres envergonhadas do fato de não conseguirem sair dessas situações.
Por isso mesmo é que, historicamente, no Brasil, a mulher não podia ler, porque era relação de poder e não de afeto, não podia votar, porque não era nem gente, que dirá cidadã, depois ia querer mesmo ser juíza. Não podia.
Isto tudo vai contra o constitucionalismo contemporâneo, que no processo de igualação, funciona no sentido de superar a indiferença ás diferenças. Não é possível continuar fazendo ditas políticas publicas sem especificar a condição do sujeito. O direito se encaminha para especificar o sujeito e as condições do sujeito.
Por tudo, senhor presidente, eu estou juntando o voto, mas não quis deixar de fazer essas observações, que vão na linha do que o Min. Marco Aurélio mais de uma vez tem reafirmado, do que representa para sociedade, não apenas para nós mulheres, mas para toda uma sociedade que se quer diferente para ter direitos efetivos.
Não de dignidade da mulher, mas para romper as indignidades que de todas as formas são tantas vezes cometidas que essa lei tem uma importância fundamental para uma sociedade que tem a sua maioria composta por mulheres, mas de respeito integral ao que impõe a constituição brasileira em seu artigo 5º. A igualdade é, desde sempre, tratar com desigualdade aqueles que se desigualam e no nosso caso, não é que nós nos desigualamos, fomos desigualadas por condições sociais e estruturas de poder que nos massacraram séculos a fio. Eu me ponho inteiramente de acordo pela procedência da ação. É como voto.
(Facebook - Damares Medina.)
** Estive em uma palestra da ministra e fiquei impressionada. Além de ser uma querida!!
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