sábado, 2 de outubro de 2010

Olhar...



"Quando não tenho respostas, escuto o mundo. Pelas grades, cheiro as flores do vizinho, que prefere papoulas às rosas. Fico levemente irritado: as papoulas roubaram o cheiro de meu capote.

Vou comprar frutas mais lento. Tenho dó das que estão estragadas e pisadas no fundo. Por pouco, não me junto a elas.

Presto atenção às palavras do cobrador do ônibus, como se ele fosse um mensageiro voluntário. Estou sempre esperando uma senha, um símbolo, um conselho. Algo de fora que me esclarecesse. Ando dependente de um aviso. Vejo o quanto ainda acredito em anjos, fantasmas, árvores.

Qualquer aparição faz sentido: um cão estranho lambendo minha mão, um gato olhando para trás na linha dos muros, um pássaro que atravessa as janelas de casa por dentro.

Os olhos se embaralham em cartas de tarô. Fio-me na adivinhação e leitura das coisas pelas coisas. Toda  pessoa que encontro na rua torna-se minha visita - nem preciso atender o interfone.

Estou me guardando em cada desencontro ."

(Carpinejar - Canalha) 

Nenhum comentário:

Postar um comentário