quarta-feira, 26 de maio de 2010

Olhares.

Paixão é uma coisa que acontece.


A paixão é um vislumbro estético, uma deformação visual. Mas me apresente uma relação real, concreta, tátil, certaEu me nego iniciar um namoro sem uma metáfora, sem uma canção, sem um apelido, sem paixão. Eu jamais construiria um relacionamento sem um alicerce avassalador, sem magia, sem labirinto, sem códigos, sem poesia. Para mim, o envolvimento - prefácio do amor - parte sempre do primeiro encontro, nunca do décimo oitavo. Mas falo por mim, um clichê ambulante de barba. Uma metralhadora de emoções de camiseta do Cazuza e jaqueta de brim.

Tenho meus regimentos, não fujo deles com medo da caretice, do machismo, da queda posterior. Eu fujo de amores que não começam como num conto de fadas. Mas isso sou eu, apenas eu. Associar paixão com doença, assujeitamento, cólera, pensar socraticamente os relacionamentos, precaver o tombo, o corte, o fim de cada etapa, tudo me soa como um turista, até que enfim na Disneylândia, porém com diarreia.

Vejo isso como "falta de preparo para lidar com a situação que a vida que impõe". A paixão - gasolina do trajeto - não é algo que se pede, que se procura, que se compra. A vida dá, conforme os movimentos, a habilidade de identificar, o preparo para sentir, a resiliência de todos seus "amores" fracassados. Não somos nós quem construímos o amor, não temos esse poder, é ele quem nasce, cresce e se desenvolve onde as terras são firmes e férteis.

Somos presas, nunca predadores. Por isso a caça é tão inútil. Mas não, queremos estar no controle, acreditamos somente em tudo que podemos ver, tocar, ler. Somos amantes dos laços, do estado civil, da condição. Geralmente nunca do amado em si. Falhamos e não aceitamos seus mistérios, suas virgindades, seus contos de fada. Não aceitamos os riscos, esta é a verdade. Rechaçamos a perda, o desencanto, a rejeição.

As pessoas mudam, a relação pula de fase, as fantasias se renovam. O vício de controlar, de petrificar o amor, de estatizar a relação, nos faz flagelados das mudanças. O amor é movediço, traiçoeiro, perene e, ainda assim - ou mesmo por esta razão - é belo, perturbador, vivaz.

Há beleza em todas as etapas, basta ver além dos olhos, se contentar com o que o destino não previu, sentir-se confortável com a escassez de controle. O amor não é a moldura, mas o que a tinta desenhou sobre a tela. Note, a tela continua linda mesmo sem a sisudez da moldura. Por isso, o amor não se dá pra todos. Poucos aceitam a arenosidade.

Numa situação de rotina, enxergamos estabilidade, confiança, segurança, laços fortes. Vemos o sempre logo ali adiante. Paralelamente, do seu lado rumo ao sempre, há alguém. Pode ser uma mulher que chora no chuveiro, se embalsama de hidratante, veste uma calcinha pequena e deita do seu lado.
A calcinha esconde os olhos inchados. O velho perfume confirma o sempre. Ela respirando toda vez rente à esquerda o acalenta. É tangível, mas não é real. Ela chora, viu? E pode ser porque o traiu, porque não sente-se tocada ou por algo que você fez, sem nem se dar conta.

Ok, a paixão é um vislumbro estético, uma deformação visual, a parte lúdica do todo. Mas me apresente uma relação real, concreta, tátil, certa. Haverão faces ocultas, imprevisibilidade, cegueira, cerração. A escuridão não é exclusividade da paixão.

Negá-la, temê-la, desviá-la é o maior erro. Não aproveitar os contos de fada é a maior estupidez. A paixão adoece e morre no amanhã, grande áfrica, todos sabem. Mas o que é a vida, senão viver cada coisa que acontece?

(retirado do blog do Gabito, http://www.carascomoeu.com.br/)

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