segunda-feira, 13 de dezembro de 2010

Olhar para o Nobel de literatura, Llosa.


Trechos do discurso na entrega do Nobel.

Aprendi a ler aos 5 anos. Foi a coisa mais importante da minha vida.
Quase 70 anos depois, lembro-me com nitidez como essa magia, transformar as palavras dos livros em imagens, enriqueceu a minha vida, quebrando as barreiras do tempo e do espaço.
(...)
A leitura convertia o sonho em vida e a vida em sonho e punha ao alcance do pedacinho de homem que eu era o universo da literatura.     
(...) pude dedicar boa parte do meu tempo a essa paixão, vício e maravilha que é escrever, criar uma vida paralela onde nos refugiamos contra a adversidade, que torna natural o extraordinário e o extraordinário natural, que dissipa o caos, embeleza o feio, eterniza o instante e torna a morte um espetáculo passageiro.

(...)
Graças à literatura, às consciência que ela formou, aos desejos e anseios que inspirou, ao desencanto do real com que retornamos da viagem a uma bela fantasia, a civilização é agora menos cruel do que quando os contadores de contos começaram a humanizar a vida com suas fábulas. Seríamos piores do que somos sem os bons livros que lemos, mais conformistas, menos inquietos e insubmissos, e o espírito crítico, o motor do progresso, nem sequer existiria. A exemplo de escrever, ler é protestar contra as insuficiências da vida (...)
Sem as ficções seríamos menos conscientes da importância da liberdade para que a vida seja suportáveçl e do inferno em que ela se converte quando dominada por um tirano, uma ideologia ou uma religião. Quem duvida da literatura, além de nos levar ao sonho da beleza e da felicidade, nos alerta contra toda forma de opressão, pergunte por que  todos os regimes empenhados em controlar a conduta dos cidadãos, do berço ao túmulo, a temem tanto a ponto de estabelecerem regras de censura para reprimi-la (...). Fazem isso por que sabem o risco que correm ao deixarem que a imaginação flua pelos livros (...). Queiram ou não, saibam disso ou não, os criadores de fábulas, ao inventar histórias, propagam a insatisfação, mostrando que o mundo é mal feito, que a vida da fantasia é mais rica que a rotina cotidiana. Essa constatação cria raízes na sensibilidade e na consciência, torna os cidadãos mais difícies de manipular (...). A boa literatura cria pontes entre pessoas diferentes, (...) nos une sobre as barreiras das línguas, crenças, usos, costumes e preconceitos que nos separam.
A literatura cria uma fraternidade dentro da diversidade humana  e apaga as fronteiras que erguem entre os homens e mulheres a ignorância, as ideologias, as religiões, os idiomas e a estupidez (...)


(...)
Eu levo o Peru nas minhas entranhas, porque nele nasci, cresci, formei-me e vivi aquelas experiências da infância e da juventude que modelaram minha personalidade e que forjaram minha vocação; e porque lá amei, odiei, gozei, sofri e sonhei. O que nele acontece me afeta mais e me comove e irrita mais do que o que acontece em outros lugares. (...)      



(...)
O Peru é Patrícia, a prima de narizinho arrebitado e caráter indomável com a qual tive a ventura de me casar há 45 anos, e que ainda suporta as minhas manias, neuroses e meus chiliques que ajudam a escrever.
(...)
É tão generosa que até quando acha que está me desafiando, faz o melhor dos elogios.
"Mário, você só serve é para escrever."

(O Estadão - 09/12/2010)



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