segunda-feira, 13 de dezembro de 2010

Olhar...

(T. Tomazeli)

"Todos os dias que depois vieram, eram tempo de doer.
Miguilim tinha sido arrancado de uma porção de coisas, e estava no mesmo lugar. Quando chegava o poder de chorar, era até bom - enquanto estava chorando, parecia que a alma toda se sacudia, misturando ao vivo todas as lembranças, as mais novas e as muito antigas. Mas, no mais das horas, ele estava cansado. Cansado e como que assustado. Sufocado. Ele não era ele mesmo.
Diante dele, as pessoas, as coisas, perdiam o peso de ser. Os lugares, o Mutúm - se esvaziavam, numa ligeireza, vagarosos. E Miguilim mesmo se achava diferente de todos. Ao vago, dava a mesma idéia de uma vez, em que, muito pequeno, tinha dormido de dia, fora de seu costume - quando acordou, sentiu o existir do mundo em hora estranha, e perguntou assustado:
- 'Uai, Mãe, hoje já é amanhã?!'"



(Manuelzão e Miguilim - Guimarães Rosa)

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