quarta-feira, 28 de outubro de 2009

Onde as ruas não têm nome
(Caderno Mais, Folha de SP, 25/10/09- por Marcelo Ninio)

Ganhador do "Nobel" da criminologia diz que violência se repete em poucos lugares das cidades e que polícias estão agindo de forma errada


No combate ao crime, menos pode ser mais. Aplicada ao espaço das cidades, essa é a tese do professor David Weisburd, professor na Universidade de Jerusalém, que acaba de receber o Prêmio Estocolmo de 2010, considerado o mais importante do mundo na área de criminologia. Duas décadas de pesquisas em cidades dos EUA levaram Weisburd à conclusão de que a grande maioria dos crimes ocorre em um número restrito de ruas. Os dados já começam a influenciar a ação das polícias americanas, que passaram a concentrar suas patrulhas nos locais mais perigosos, deslocando esforços de áreas com menor incidência de crimes. Em entrevista à Folha, Weisburd explicou sua tese.

FOLHA - Por que o sr. decidiu concentrar suas pesquisas na ideia de espaço?
DAVID WEISBURD - Por muitos anos, a pesquisa na área de criminologia teve como foco entender por que as pessoas cometem crimes. Em meu trabalho, comecei a fazer perguntas diferentes: onde o crime ocorre? Por que ele ocorre ali?São perguntas que me interessam por estar na interseção entre a pesquisa básica e a aplicação prática. Muito do meu trabalho se baseia no que podemos chamar de "lei da concentração" do crime. Estudo após estudo mostra que uma proporção muito grande do crime em uma cidade ocorre em um número relativamente pequeno de locais.
FOLHA - Bairros inteiros?
WEISBURD - Não. A visão tradicional era apontar comunidades "boas" e "más". Mas na minha pesquisa percebi que na maior parte das chamadas "más" comunidades praticamente não havia crime. Mesmo nelas, na maioria das ruas as pessoas não estavam sendo mortas ou atacadas todos os dias. Em algumas áreas de Jersey City que pesquisei, a suposição geral era a de que toda a cidade era dominada pelo tráfico de drogas.Eu me dei conta de que havia os pontos de venda, mas que, uma ou duas quadras adiante, a vizinhança era relativamente tranquila.Em outro estudo que fiz em Seattle, analisei rua por rua as 30 mil quadras da cidade. Descobri que 50% do crime era restrito a 4% das quadras. O crime não estava em toda a parte, mas em locais muito específicos. E essa é uma estatística que se mantém há 16 anos, um bom exemplo do que eu chamo de "lei da concentração". Um outro estudo em Minneapolis mostrou que 50% dos crimes ocorriam em apenas 3,5% da área da cidade. Ou seja, geralmente uma porcentagem muita pequena dos lugares produz a maior parte dos crimes. O esquadrinhamento das ruas foi fundamental para chegar às conclusões, pois em muitos casos havia concentração do crime, mas não contínua. Mesmo nas áreas de maior concentração urbana, onde havia mais "hot spots", a maioria dos casos que estudei mostra uma irregularidade: duas ruas boas eram seguidas de ruas "más". Um outro estudo sobre criminalidade juvenil em Seattle mostrou que 86 das quadras, entre 30 mil, produziram um terço de todos os crimes.
FOLHA - Por que isso ocorre?
WEISBURD - Esses "hot spots" de delinquência juvenil estavam em poucas ruas, mas espalhados por toda a cidade -sobretudo perto de locais frequentados pelos jovens, como shoppings e escolas. Isso também se aplica aos crimes em geral. Crimes ocorrem onde há oportunidade. O que meu estudo enfatiza é que há um número relativamente pequeno desses lugares e que o crime nesses lugares costuma manter-se estável. Se sabemos que o crime é concentrado em um número limitado de lugares, que ele se mantém estável e que há certos motivos para ocorrer ali, a conclusão natural é a de que precisamos levar a polícia até eles, não à cidade inteira. Para a polícia, o recado é simples: não desperdice suas patrulhas em todo lugar.
FOLHA - Concentrar a ação policial num ponto não provoca a migração do crime?
WEISBURD - Fiz estudos sobre isso, enfocando tráfico e prostituição, e descobri que o crime não se desloca facilmente. As ruas próximas não ficaram piores e o crime não migrou para outras áreas da cidade. Há alguns motivos para não haver deslocamento. Criminosos atuam em certas regiões por um motivo. Traficantes de drogas, quando são cercados por policiais, não se mudam imediatamente, pois naquela área eles conhecem as pessoas, sabe quem vai denunciá-los ou não à polícia etc. É o lugar dele. Crime, em grande medida, é como qualquer outro trabalho. As pessoas trabalham onde é mais cômodo.
FOLHA - Como o policiamento concentrado se aplicaria a um ambiente como o Rio, onde os pontos de tráfico estão espalhados pela cidade?
WEISBURD - O espaço tem que ser o foco. Em São Paulo e no Rio, há milhares de ruas, não dá para patrulhar a cidade inteira com a mesma eficiência. O sucesso depende de como a polícia faz o seu trabalho.A primeira coisa é fazer um mapeamento para saber onde estão os "hot spots", e por que motivo.Também é importante falar com os moradores, criar uma sensação de cumplicidade. A polícia não pode ser vista como uma força de ocupação, mas como parte da comunidade. A legitimidade da ação policial é um elemento crítico para o seu sucesso.

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