terça-feira, 15 de setembro de 2009

A arte de dar a cara a tapa.

Texto escrito no ano passado...

Souza, centroavante do Flamengo, disputou 40 partidas com a camisa rubro-negra até o final do ano passado [ 2007 ], marcando 15 gols. Uma média de 0,37 gols por partida. A torcida adora vaiar Souza, pegar no pé de Souza, espezinhar Souza. Obina, o outro centroavante do Flamengo, jogou 106 partidas pelo clube até o último dezembro e marcou 32 gols. Média: 0,30. A torcida adora Obina, incensa Obina, clama por Obina. Quanto mais gols Souza marca, mais forte ecoa pelas arquibancadas o nome de Obina. Tem sido assim. Aconteceu recentemente contra o São Paulo no Maracanã.

Esse descompasso entre o desempenho objetivo de Souza e a imagem que ele projeta, entre os resultados que ele produz e o que recebe em troca não é de agora. Souza já foi artilheiro do Brasileirão, vice-artilheiro do Brasileirão, já decidiu no bico da sua chuteira campeonatos estaduais para Goiás e Inter. Já foi decisivo em várias partidas pelo próprio Flamengo. No entanto, nunca deixou de ser atazanado pelas torcidas com que conviveu. Nunca ganhou a confiança dos clubes, nunca foi alçado ao panteão dos goleadores aos quais somos eternamente gratos. Souza tem deixado gols e conquistas por onde passa. Contraditoriamente, não tem deixado saudades. Não tem conseguido formar laços emocionais consistentes, por mais que, racionalmente, tenha feito a sua lição de casa.

Alguém dirá que Souza irrita porque erra mais do que acerta. Um argumento fácil e frágil. Talvez Souza erre mais simplesmente porque tenta mais, porque não se esconde em campo com medo de não acertar uma jogada ou uma finalização. A verdadeira questão, para Souza, é outra: ele tem o dom de chamar para si a ofensa, a injúria, o achincalhe. Trata-se de um viés subjetivo que a análise fria dos fatos não ajuda a deslindar. Souza é daquelas pessoas com tendência a serem pegas para cristo. E nisso temos, ele e eu, algo em comum. Somos de uma estirpe cujo tom de voz, o jeito de olhar, de caminhar, os gestos, o penteado, os trejeitos, as expressões faciais, a postura corporal, o modo de se posicionar diante de certas questões e de certas audiências, enfim, alguma coisa, qualquer coisa, funciona aos olhos dos outros como um convite à agressão, à farra do linchamento moral, como uma licença para enfiar a faca até o cabo sem sofrer represália ou retaliação. Esses sinais são decodificados e fazem a alegria especialmente de uma certa estirpe de gente - os perversos, os canalhas, os pusilânimes, os mal-intencionados em geral.

O ponto, para Souza e também para mim, é que tem gente com carisma, com facilidade para se fazer querida, para ser aceita, para seduzir, para encantar e conquistar sem esforço. Gente com habilidade para sentar sempre nos melhores lugares, freqüentar só as melhores turmas -- e assim se blindar contra a crueldade alheia. E há gente que nasceu para ser gauche na vida. Que pode fazer tudo certinho mas não tem o charme, esse importante élan social. Viola, com seu jeito de Cuba Gooding Jr. de Itaquera, sacava uma pistola imaginária do bolso ao comemorar um gol - ou um arco e flecha, a la John Rambo - e a galera ia ao delírio, e a crítica ficava mesmerizada com aquela erupção de charme do gueto. Souza, ano passado, comemorou um gol com uma espingarda virtual e foi execrado nacionalmente. Faltou pouco para ser responsabilizado por toda a violência do Rio de Janeiro. A você, portanto, bravo companheiro de sina, minha solidariedade. E votos de que o paradoxo que o assola se aguce ainda mais: quanto mais injustos e covardes forem com você, que mais gols você marque e mais faixas você pendure no peito. Só não espere aplauso e tapinha nas costas. Eles não virão para você.

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