quarta-feira, 14 de julho de 2010

Intuir.


INTUIÇÃO, que vem do latim Intueri e significa considerar, ver anteriormente.

Só nos tornamos efetivamente humanos na medida em que conseguimos combinar nossos pensamentos – e aí, vale incluir o que pensamos sobre os outros e o mundo ao nosso redor – com outras formas de conhecimento de que dispomos, como nossos sentimentos, nossas sensações e nossas intuições para percebermos o mundo que nos rodeia.

Às vezes, mesmo quando a razão tenta nos demover de uma ideia que parece logicamente infundada, nós vamos lá, damos a cara a bater. Teimamos e, vez por outra, ainda provamos que nossa própria razão estava redondamente enganada. Afinal, nossa consciência de mundo não dá conta de ser tão racional assim – ou de buscar racionalidade em tudo. Por isso, somos capazes de perceber muitas coisas sem que elas passem pelo crivo da razão. Os sentimentos estão aí para comprovar. Quem nunca se apaixonou a ponto de perder as estribeiras da lógica?

Está na hora de reavaliarmos nossa forma de tomarmos consciência sobre as coisas: os pressentimentos podem nos levar a tomar decisões melhores que as deliberações racionais. Para compreender, não basta pensar. É preciso sentir e, principalmente, intuir.


A intuição é uma aptidão que todos nós temos, mas que precisa ser desenvolvida – assim como a própria capacidade de pensar. É aquela percepção ou decisão que aparentemente não tem uma explicação lógica e que até contraria o senso comum, mas que no fim das contas faz todo o sentido. Ela funciona como um guia interno, que se manifesta através de um conhecimento“Por isso a intuição aparece através de sensações inexplicáveis, insights, sonhos, ou de uma voz interna que parece dizer ‘sim, isso está certo’ ou ‘isso não vai funcionar’”, diz a psiquiatra americana Judith Orloff, autora do livro Second Sight (“Outro olhar”). É difícil explicar a intuição porque ela é como um lampejo, uma resposta imediata que nossos neurônios constroem diante uma situação. “Um pressentimento sempre nos inquieta porque não sabemos de onde ele surgiu, ele não vem a partir de um raciocínio consciente, mas de um lugar desconhecido da nossa mente”, escreve Judith.

A lógica e os modos conscientes de pensamento monopolizaram nossa forma de compreender o mundo. Mas, no entanto, a lógica é apenas umas das muitas ferramentas úteis de que a mente pode se valer. “Até porque há informações e percepções que vão direto para o inconsciente, sem passar pelo filtro do nosso consciente”, diz o filósofo Ari Rehfeld.

Em plena era da informação, sofremos mesmo do mal do “pensar demais”. Tanto que, de muito raciocinar, sobrecarregamos toda a capacidade de atenção do cérebro, comprometendo a saúde.
Pensar demais e saber demais podem se transformar em um problema.
Analisar todos os lados da questão pode não ser uma boa tática.

A questão é que nem que nos esforcemos muito podemos tomar todas as decisões da nossa vida sob o crivo da razão. Nossa mente trabalha melhor relegando ao inconsciente uma boa parcela do pensamento racional - ela não daria conta de tudo, se não usasse esse artifício.

...somos capazes de fazer uma viagem inteira dirigindo por uma estrada com buracos e condições adversas sem sequer racionalizar uma parte do trajeto sequer. Mas isso só foi possível depois de a mente ter adquirido conhecimento suficiente para poder relegar ao inconsciente a tarefa de conduzir a direção. O mesmo ocorre com nossa intuição. Afinal, nós só temos intuições a partir de experiências, de informações e do conhecimento que obtivemos, voluntariamente ou não. “Na verdade, a natureza dá ao ser humano um potencial, e a prática ao longo do tempo se transforma numa capacidade.” A mente intuitiva se adapta e age com economia valendo-se do inconsciente, das aptidões evolutivas e dos métodos empíricos que desenvolvemos no decorrer da nossa vida. Eles consistem em procurarmos nos ater à informação mais relevante e ignorar o resto. Na maior parte das vezes, os pressentimentos se baseiam num volume surpreendentemente pequeno de informações e da mente.

Intuir, na verdade, significa utilizar um outro sentido de que dispomos além da visão, da audição, do olfato, do paladar e do tato. É mesmo como um “sexto sentido” colocado à nossa disposição e que nos ajuda a melhorar nossa relação com o mundo e facilitar nossa vida. E da mesma forma que, quanto mais nós ouvimos, melhor reconhecemos um ruído, quanto mais usamos a intuição, melhor conseguimos aproveitar os pressentimentos. A intuição melhora com a experiência sem que a gente se dê conta.

Desenvolver a intuição significa adotar uma postura mais reflexiva e trabalhar a autoconfiança. Apostar naquilo que você percebe e sente. Dedicar-se um tempo ao silêncio e ao recolhimento ajuda. Registrar e interpretar sonhos e impressões, também, porque essas práticas facilitam o acesso ao mundo interno, assim como ler, conhecer, assistir, viajar. Outros sinais aparecem em nosso próprio corpo, não apenas na mente. Sintomas físicos como insônia e agitação podem indicar desconforto com uma situação ou decisão que se esteja pensando em tomar. “Cada um de nós tem a sabedoria e o conhecimento de que necessita em seu próprio interior”, escreveu o psiquiatra suíço Carl Gustav Jung, um defensor da intuição. Precisamos só estar abertos a identificá-los, já que, afinal, tendemos a viver tão melhor à medida que percebemos o que nos rodeia.

Intuir, portanto, é enxergar melhor o mundo olhando para dentro de nós mesmos. Por isso é preciso confiar nas nossas próprias intuições. De nada adianta abrir uma comunicação com o inconsciente se esse conhecimento não impulsionar ações. “A intuição é vivencial, precisa ser praticada”, diz a psicóloga Virgínia. Assim como precisamos experimentar relacionamentos para quebrar a cara ou colocar a mão no fogo para perceber que ele queima. E viver é mesmo correr riscos, fazer apostas. E, para isso, nem sempre basta apenas pensar.
(Vida Simples, julho/2010)

Nenhum comentário:

Postar um comentário