segunda-feira, 14 de junho de 2010

Olhar de pescador - para Albano.





Ouvi uma história, uma história de um pescador.
Uma história que trazia o cheiro do mar, a brisa no rosto e me lembrei dos meus treze anos, quando eu devorava Jorge Amado.
Fiquei ali parada ouvindo aquela história, como se estivesse diante do mar...
Ouvi uma história, uma história de pescador, um pescador travestido de filósofo.
Era uma história de mar, de amor, de peixe, de vida.
Uma história contada com a suavidade da linguagem, a sabedoria de uma vida - coisas que só um pescador tem, coisas que só um sábio pode transmitir.
Ouvi uma história, uma história de pescador, e ela dizia da jangada. A jangada que cada qual lança ao mar na procura de se completar.
Ah, a fusão, a completude! O pescador também sabia histórias de elefantes. Elefantes, que, em suas caminhadas pelas savanas, movem-se ora sozinhos, ora acompanhados.
"É possível caminhar lado a lado, por um tempo (não importa se um minuto, alguns dias, meses, anos).O que importa, me dizia ele, é caminhar e ver a beleza daquele caminho único - seu e dele - daquele momento".
E, assim, voltou seu olhar sereno ao mar e convidou o meu para acompanhá-lo.
Me dizia da alegria que trazia consigo no convívio com o mar, com a natureza, não importando os resultados obtidos com a pesca. Era uma forma de alcançar suas águas abissais.
Era preciso ter paciência, observar os movimentos necessários que antecedem a caminhada para o mar...
"O manejo da vara de pescar, a preparação dos anzóis, a escolha das iscas, os pontos adequados para lançar as linhas no mar"
Era preciso também ter equilíbrio dentro da jangada, nas águas calmas ou revoltas do mar.
Era preciso deixar a expectativa (inútil) da pesca e lembrar dos mistérios do mar.
"É preciso aceitarmos a generosidade do mar!"
É preciso estarmos prontos para puxar o anzol e visualizar o presente. O peixe, um presente do mar...
"É preciso termos a humildade de reconhecer que pescamos o peixe errado e retirarmos, delicadamente, sem feri-lo, o anzol da sua boca e devolvê-lo com integridade ao mar.
É preciso termos sabedoria para reconhecer se pescamos o peixe correto e a coragem para segurá-lo com as duas mãos e não deixarmos que ele pule de volta ao mar por medo, insegurança dos nossos braços."
Pego na mão do pescador e, mesmo sem entender nada de peixe e de mar, me atrevo a lhe contar:
"Meu sábio pescador, é verdade, não é qualquer peixe que podemos pescar, saborear!
Não é qualquer peixe que minhas mãos podem segurar. Talvez o peixe seja pequeno ou grande demais. Talvez tenha tantas escamas que mal possa ver a beleza de seu corpo, do seu olhar. Talvez suas escamas brilhem demasiadamente e ofusquem o meu olhar. Talvez o peixe possa ser lindo, colorido, mas frágil demais. Talvez seja forte, grande e eu não tenha forças suficientes para segurá-lo. Talvez tenha dentes afiados demais e possa me ferir. Talvez espinhos enormes, fáceis de tirar, e outros pequenos e eu possa me engasgar. Talvez seja novo demais para sair do mar ou velho demais para viver fora do mar. Talvez meu paladar ache sua carne forte demais. Talvez não combine com o vinho que escolhi.
Minha avó já dizia: 'Um bom peixe a gente reconhece pelo olhar!'. Olhe bem dentro dos olhos do seu peixe e vocês se reconhecerão.
Mas pensei, meu caro pescador, que o mar também pode não estar para peixe."
Volto meu olhar para o infinito azul das águas que confundem-se com o azul celeste do ceú. Olho a imensidão que é a vida. E ouço sua resposta:
"Não importa os peixes pescados ou não, o que importa é saber pescar humildemente os momentos da tua existência."
Obrigada pela linda e doce pescaria Albano.


"Minha jangada vai sair pro mar
Vou trabalhar, meu bem querer
Se Deus quiser quando eu voltar do mar
Um peixe bom
eu vou trazer..."
(Caymmi)

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