segunda-feira, 7 de junho de 2010

Carpinejar e a mulher perdigueira.


"A mulher perdigueira sofre um terrível preconceito no amor.
Como se fosse um crime desejar alguém com toda intensidade.
Ela não deveria confessar o que pensa ou exigir mais romance.
Tem que se controlar, fingir que não está incomodadda, mentir que não ficou machucada por alguma grosseria, omitir que não viu a cantada do seu parceiro para outra.
Ela é vista como uma figura perigosa.
Não pode criar saudade das banalidades, extrapolar a cota de telefonemas e perguntas.
É condenada a se desculpar pelo excesso de cuidado.
Pedir perdão pelo ciúme, pelo descontrole, pela insistência de sua boca.
Exige-se que seja educada. Ora, só o morto é educado.
O homem inventou de discriminá-la. Em nome do futebol. Para honrar a saída com os amigos. Para proteger suas manias. Diz que não quer uma mulher o perseguindo. Que procura uma figura submissa e controlada que não pegue no seu pé.
Eu quero. Quero uma mulher segurando meus dois pés. Segurar os dois pés é carregar no colo.
Porque amar não é um vexame. Escândalo mesmo é indiferença."


Trechos do livro de Carpinejar:

"...fico com vontade de pedir emprestada a chave da prisão para passar o domingo. Acho o controle comovente. Invejável.

...fui criado para fazer um puxadinho, agregar família, reunir dissidentes, explodir em verdades. Duas casas diferentes já é viagem, não me serve.
Sou um totalitário na paixão. Um tirano. Um ditador. Não me dê espaço que cultivo. Não me eleja democraticamente que mudo a constituição e emendo mandatos.


Quero uma mulher perdigueira, possessiva, que me ligue a cada quinze minutos... Que arda de ciúme imaginário para prevenir o que nem aconteceu. Que seja escandalosa na briga e me amaldiçoe se abandoná-la. que faça trabalhos em terreiro para me assustar e me banhe com o sal grosso de sua nudez.Que feche meu corpo quando sair de casa, que descosture meu corpo quando voltar. Que brigue pelo meu excesso de compromissos, que me fale barbaridades sob pressão e ternuras delicadíssimas ao despertar.


A mulher que ninguém quer eu quero. Contraditória, incoerente, descabida. Que me envergonhe para respeitá-la. Que me reconheça para nos fortalecer.
Admiro aos bocados as ninharias.....

O amor é uma comissão de inquérito , é abrir as contas, é grampear telefone, é cheirar as camisas.

O amor é cobrança, dor de cotovelo, não aceitar uma vida pela metade, não confundi-la com segurança. Enlouquecê-la para pentear seus cabelos antes do vento. Enervá-la para que diga que não a entende. E entender menos e precisar mais.

Quem aspira ao conforto que se conserve solteiro. Eu me entrego para dependência. Não há nada mais agradável do que misturar os defeitos com as virtudes e perder as contas na partilha."
(Carpinejar, Mulher Perdigueira)

Carpinejar estará hoje na Livraria Cultura, em POA, autografando o livro.

Um comentário:

  1. Descobri aqui no seu blog o livro de Carpinejar, vou procurar.
    O seu blog é muito bacana

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